sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Capítulo II

Longe de José, Clarisse não sentia nada. Um pouco de saudade das risadas que davam juntos, mais nada. Só mesmo à distância é que ela pôde perceber que o sentimento por ele era apenas uma forte atração e nada mais. Ficou feliz por isso, mas a medida que o seu pensamento se distanciava de José, ele se reaproxiamava de Tonni. Isso apavorava Clarisse, e confusa ela já não sabia que fazer. Precipitou-se então nos braços de um amigo. Antes no entanto adivertiu-o sobre sua situação, ou pelo menos parte dela.

- Quero pedir-lhe uma coisa Franco, disse Clarisse séria.
- Qualquer coisa, Clarisse, ele sorriu e beijou-lhe os lábios.
- Falo sério, não me leve a mal. Mas quero pedir que não se envolva. Não se apaixone por mim. Não saberei retribuir-lhe. Estimo-o demasiadamente, mas não posso amá-lo.
- Eu não esperava por isso, disse surpreso.
- Perdoe-me. Não queria ofendê-lo. Não é por você, é por outro motivo. Não me entenda mal, quero-o bem, exatamente por isso é que lhe faço este pedido.
- Não se preocupe, eu farei o que me pede. Não costumo me apegar fácil as pessoas. Quero que saiba que independente do que aconteça quero sua amizade para sempre.
- Era o que eu mais desejava ouvir, obrigada. Assim será.

Uma semana depois, Clarisse percebeu que Franco andava diferente em seu modo de tratá-la. Ele a estava sufocando com seus carinhos excessivos, ligava várias vezes, Clarisse já não atendia, mandava inúmeras mensagens, ela já não respondia. Pensando que estivesse apaixonado, Clarisse decidiu findar o relacionamento que mal iniciara, temendo que isso tivesse peso sobre sua amizade.
Franco confirmou-lhe os sentimentos, pediu-lhe desculpas, disse-lhe que tentou evitar, mas que não teve forças.
Clarisse ficou pensando se o fato de ter feito aquele pedido incomum não teria influenciado neste sentimento. Fosse assim a culpa teria sido dela mesma, que causou aquilo que tentava evitar. Sua tia e amiga, Luísa Ville concordou consigo e indicou-lhe a melhor direção. Ela sempre sabia o que dizer e o que fazer quando Clarisse precisava.
Clarisse não querendo ver o amigo a quem estimava tanto sofrer, resolveu se afastar por um tempo.
Nesse intervalo, Franco perdeu seu irmão. Clarisse conversou ainda uma vez com ele pelo telefone, mas não se animou em encontrá-lo, apesar da tragédia que lhe exigia sua contribuição como amiga. Ela sabia o quanto as pessoas assim são vulneráveis e carentes. Não queria que ele sofresse ainda mais.

Fazia meses Clarisse não falava com Tonni. Ela não tinha noção da impressão que esse reencontro causaria em seu espirito.
Tonni voltava do coma induzido em que estivera, mais forte, mais intenso e vívido.
Evitou-o quanto pôde, mas agora, desprotegida, deixavasse levar outra vez pelas doces palavras de Tonni. Estava outra vez nua em seus braços, e como uma anjo caído a seus pés, cria cegamente em seu amor. Probre Clarisse Mendel.
Uma vez presa novamente às correntes de seu amor, sentia-se feliz como nunca. Mal sabia ela, que Tonni não demoraria a mostrar novamente as garras. Ele não demoraria a matá-la desta vez.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Capítulo I

Clarisse Mendel o traía sempre que duvidava do seu amor, traía seu corpo, não seu sentimento. Duvidou em duas épocas. Quando duvidava do amor de Tonni, queria matá-lo dentro dela. E por vezes tentou sufocá-lo, calar sua voz que não saia da sua cabeça, o seu falso "eu te amo" ecoava como gritos, furtava toda a sanidade que lhe restava. Ela amava Tonni Serrado, mas não podia amá-lo pelos dois.
Quando se entregou pela primeira vez a outrem após Tonni, foi estranho. Estranho e maravilhoso. Deixou que aquele homem atraente viril a beijasse, era errado, ela sabia, mas ainda assim quis. Mas... nada. Pensou então que talvez fosse pouco. Talvez necessitasse de muito mais que beijos para expulsá-lo de si. Então entregou-se. Sim. Entregou-se num Gol não sei que ano, em frente ao cemitério de uma cidadezinha esquecida por Deus e amaldiçoada por natureza. Barreiras. Pôs barreiras entre ambos.

Entregou-se crendo em seu fim, em sua morte. Foi estranho, louco, quente, assustador, e foi espantosamente bom. Orgasmos? Não, não... Seu prazer vinha da crença que ela nutria de que o matava, nada mais.

Apaixonou-se. Apaixonou-se? Não sei dizer. Talvez o fato de lhe ser proibido o romance, que ela iniciara, tivesse feito com que se expandisse a idéia de estar apaixonada. Depositou então neste novo ser todo o amor que nutria por Tonni. Creu assim tê-lo esquecido. Fora um devaneio seu. Chegou mesmo a sofrer pelo outro. Então sentiu uma ilusória felicidade, sentiu que estava feito e consumado. Mentira, tudo mentira.

O que Clarisse não sabia, era que Tonni adormecia em seu peito, ele fora apenas golpeado, estava em coma. Mais tarde ele voltaria mais forte, mais vívido que nunca, para matá-la ainda uma última vez.

Viveu dois meses de uma feliz tristeza. Sentia-se bem cada vez que sofria por José. Uma infeliz coincidência quis que eles sentissem uma atração mutua e avassaladora, e era já um pouco tarde para recuar, embora ela quisesse. Clarisse sabia que era errado o que estava fazendo, ela sentia pela amiga, jurava que jamais voltaria a encontrá-lo, mas quando isto acontecia ela não tinha forças para fugir.

José Soares, era um homem um tanto rude e apesar de tímido tinha um sorriso cômico, que a fazia rir desordenadamente. Ela gostava disso. Suas mãos másculas, seu jeito viril, suas coxas bem torneadas, seus olhos embebidos em mel... Tudo isto dava a Clarisse a impressão de que aquele homem a possuia, ainda que ela não o quisesse. E não o queria por dois motivos: ele era ex-marido de uma amiga a quem Clarisse amava como a uma irmã, e no mais era um tremendo cafageste.

Ela sabia que nutrir esse romance acabaria por desfazer sua amizade com Jô, e já sentia-se culpada por tudo que fizera até ali. Não permitiria mais esta situção. Se a amiga não o amasse ela tomaria a iniciativa de falar com ela, perguntar o que achava a respeito, embora a idéia lhe parecesse estranha, talvez até absurda. No entanto, ela sabia que apesar de separados há dois anos, ela o amava. Isso causava-lhe terror. Como ela podia estar fazendo uma coisa dessas com sua amiga? "Deus do céu! A que ponto cheguei... Isto não pode mais ficar assim. Tem de acabar. Falarei com ele hoje mesmo.". Mas os pensamentos de revolta contra suas atitudes desapareciam no primeiro beijo que José lhe dava. Ela não conseguia afastá-lo de si por mais que tentasse. E quando estava em seus braços, Clarisse esquecia-se. Esquecia-se de sua amiga, esquecia-se de si, e até mesmo de Tonni. Verdade de que não era sempre que ela esquecia, afinal fora quase um ano ao lado dele, mas por alguns minutos ela o esquecia, nesses instantes graciosos Tonni parecia-lhe apenas uma recordação longínqua.

Enaiar Soares, sua melhor amiga, tentou diversas vezes adivertí-la a respeito do que ela fazia, ela concordava, mas logo esquecia. Esquecia mesmo que José era o tio de Enaiar, e que esta sentia as dores de Jô, a quem também amava com o respeito de uma sobrinha e o carinho de uma amiga.

Quando Clarisse estava com José, parecia não haver passado para ambos. Eram apenas eles e ninguém mais. Mas quando Clarisse recordava-se tudo, ela o repudiava. Sentia nojo dele, nojo de si mesma. "Como sou suja... Eu não presto. Não presto!", pensava.
- Por que você me foge tanto, já não lhe disse o quanto lhe quero e o quanto me faz feliz?, perguntou José num ímpeto de revolta à repulsa do beijo que tentara dar em Clarisse.
- Você sabe que não podemos continuar assim, respondeu Clarisse chorosa.

- Mas já lhe disse que não precisamos continuar assim, aceite ser minha namorada e gritarei aos quatro ventos que sou teu e você é minha, tentou José com uma voz doce abrandar a situação tensa.

- Pare de ser ridículo José! Sabes bem que não falo disto, e que jamais aceitaria ser tua por que também sei que jamais serás inteiramente meu. Não vou sacrificar a felicidade de minha amiga pela minha própria jamais, além do mais conheço que não há felicidade ao lado teu. Já estou farta de lhe dizer o que penso a respeito e de pedir que me deixe em paz. Por quê não me ouve?

- Mas que diabos você está falando mulher? Outra vez esta conversa? Quantas vezes terei de jurar-lhe que não a amo mais? Quantas vezes terei de dizer que não temos nada haver um com o outro? Que eu a deixei, que ela me fez sofrer, me traiu! Ela está casada agora! Por quê não entende isto de uma vez, Clarisse? É por você que meu coração bate!

- Casada e esperando um filho que pode ser seu! O que me diz disso, sr. Soares?

- Não é meu. Sei que não. Tentamos sete anos. Acha que logo quando estamos separados eu conseguiria engravidá-la? Está na cara que não é meu este filho que ela espera. Só você não quer ver isso. Está procurando desculpas para não aceitar. Por que não diz de uma vez que não me quer e pronto?

- Não o quero. Já lhe disse. Agora vá, disse Clarisse num tom firme.

- Por favor, Clarisse, disse José em tom de súplica. Não faça isso. Não me peça pra ir. Eu não posso mais ser feliz longe de ti. Amanhã terei de viajar novamente à trabalho. Quer que eu vá com este sentimento de que não tenho motivos para retornar?
José quis contornar a situação fazendo-se de vítima. Clarisse não cedeu e atirou sobre ele seu olhar fuminante de chocolate meio amargo, com aquele leve sorriso irônico que costumava desabrochar de seus lábios rubros e voluptuosos. - Retorne para quem realmente ama, e para seu filho.
- Você insiste nisso. Como pode ser tão cabeça dura? Eu realmente não aguento esta situação. Não quer ser minha? Paciência, não lhe vou mais adular. Espero que tenha mudado de idéia quando eu voltar. Posso ligar-te?

- Não vou mudar. Não ligue ou vai perder o seu tempo. Não o atenderei.
Assim passaram-se dois meses. Ele não ligou. Clarisse não imaginava que ele fosse obedecê-la deste modo, sentia-se até indignada com isto. Mas achava que assim era melhor. De quando em quando, José ligava para Enaiar e procurava saber notícias suas, esta informava que sua amiga estava ótima, mas que não queria saber nem mesmo de ouvir falar em seu nome. José finalmente conformou-se e desistiu.